Você sabe o que é uma palavra? Certamente, você dirá que sim, mas tente
explicar o que é uma palavra. Vários teóricos já se propuseram essa tarefa,
mas poucas são as definições que conseguem abranger a complexidade
de tal conceito. A palavra é som, letra, símbolo, significado. Mas será
possível ser tantas coisas ao mesmo tempo? Para complicar ainda mais
a cabeça do leitor, vou também propor que a palavra seja pensamento e
intenção. Você já parou para pensar que para pensar você também usa
as palavras? Afinal, será que podemos pensar sem as palavras? Até que
ponto nosso pensamento é independente de nossa linguagem?
Sim, imagino que o leitor já esteja cansado de tantas perguntas, talvez
já esteja até mesmo desistindo deste texto. Mas, espere um momento.
Vamos pensar juntos. As palavras não são meros símbolos convencionais;
por meio delas significamos o mundo e nos comunicamos, elas estão
diretamente ligadas ao nosso processo de pensamento. A palavra é uma
entidade cognitiva que se materializa na voz ou na escrita, ela aponta para
possibilidades de significados que não são apenas referentes externos ao
falante, mas também internos, que compõem a sua cognição.
Um importante teórico chamado Vygotsky (1998) escreveu um livro
tratando da relação “Pensamento e Linguagem”. Segundo ele, a palavra é
uma unidade de pensamento, de generalização. Uma unidade misteriosa,
que encerra em si os limites invisíveis entre linguagem e pensamento. A
palavra, portanto, é simples no seu aspecto exterior, mas complexa no seu
aspecto interior, ou seja, cognitivo. Poderíamos comparar a palavra a uma
semente, de aspecto pequeno, mas que em seu interior carrega conteúdos
potenciais inimagináveis, pois é fruto da percepção, categorização,
generalização, emoção e da criatividade humana.
O mais interessante de tudo isso é que os significados das palavras evoluem
e são dependentes do contexto e da subjetividade humana. Os
significados não são únicos e objetivos, como aqueles que vemos nos
dicionários. As pessoas não possuem exatamente os mesmos significados
para as mesmas palavras, nem o mesmo grau de compreensão. Os
significados são construídos a partir da interação social e das realidades
mentais pessoais, dotadas de valores e graus de sentidos diferentes que
são dinâmicos e evoluem constantemente, sendo compartilhados e negociados
socialmente. Os objetos ou artefatos sociais como brincadeiras,
livros, computadores, etc. são ferramentas que constituem verdadeiros
suportes para a construção social do conhecimento humano. Os significados
das palavras são complexos: tentamos encontrá-los, mas não os
encontramos, porque eles não estão em apenas um lugar, mas distribuídos
nos lugares onde há comunicação, seja ela oral ou escrita, e distribuídos
também em redes de neurônios, em nosso cérebro. Isto não lhe parece
metafísico?
Agora pergunto a você, leitor, o que são mesmo as palavras? Se elas são
também pensamento, qual é o poder das palavras? Saber usar bem as
palavras, explorando suas potencialidades e seu poder, é uma habilidade
essencial para inúmeros profissionais, como: advogados, atores, escritores,
professores, pesquisadores, políticos, religiosos, etc. A literatura, especialmente
a poesia, é um ótimo lugar para buscarmos essa resposta, pois usa
as palavras de forma experimental e leva o leitor a também viver novas
experiências com a linguagem e o pensamento. Quer saber como? Então,
proponho-lhe um desafio, tente degustar o sabor da palavra “dançar” no
poema O bailarino, de Mário Quintana:
Não sei dançar.
Minha maneira de dançar é o poema.
Texto publicado no jornal Gazeta do Sul em maio de 2011.
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