Lucilene Bender de Sousa *
lenebender10@gmail.com
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Em janeiro deste ano tive o prazer de ser contemplada com uma bolsa de qualificação para professores de inglês da rede pública de ensino, oferecida pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Fulbright (Comissão para intercâmbio educacional entre os Estados Unidos e o Brasil). Estudei por seis semanas na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos. Sonhava há muitos anos com essa oportunidade. Aproveito este espaço para compartilhar um pouco do que aprendi sobre o que é mesmo uma língua, no período em que convivi com os americanos do norte.
A língua é uma forma de expressão cultural. Ela não só identifica diferentes grupos sociais como tem sua significação constituída através das relações entre eles. No Brasil, por exemplo, percebemos em cada estado diferentes marcas culturais como o sotaque e o vocabulário. Nos Estados Unidos, o que mais me chamou a atenção foi a variedade falada pelos afro-americanos, chamada de African American Vernacular English. Após estudar e ensinar inglês por vários anos, um dos maiores desafios foi entender o inglês falado pelos afro-americanos. No curso de qualificação, conversamos com a professora Adele Proctor, especialista no estudo dessa variedade. Ela explicou que o African American Vernacular English não é uma língua diferente, nem um dialeto. É uma variedade linguística com algumas características próprias do grupo pelo qual é utilizada. Distingue-se do inglês padrão em oito pontos que incluem diferenças de pronúncia, conjugação verbal, formação de plurais e uso do genitivo.
Além das diferenças linguísticas, também conversamos sobre questões socioculturais relacionadas aos afro-americanos. Nos Estados Unidos, a escravidão terminou em 1865. A libertação dos escravos foi alcançada à custa de muito sangue. Foi ela a principal razão da Guerra Civil americana (1861 a 1865). Abraham Lincoln, então presidente dos Estados Unidos, foi o principal responsável por essa conquista. Derrotados, os sete estados do sul que queriam a permanência da escravidão tiveram que ceder. No entanto, os rancores decorrentes do conflito permaneceram por longos anos, traduzindo-se em preconceito acirrado. Quase um século depois, em 1955, Martin Luther King iniciou o movimento pelos direitos dos afro-americanos (African-American Civil Rights Movement) que tinha como principal lema a não violência e a defesa de direitos iguais a todos os americanos. Os negros reivindicavam, por exemplo, poder frequentar as mesmas escolas e os mesmos restaurantes dos brancos, ter o direito de assento em todos os ônibus e poder votar e ser votado. Hoje, muitas coisas mudaram. Os afro-americanos conquistaram igualdade de direitos e assumiram cargos de grande importância social como a presidência dos Estados Unidos.
Contudo, as marcas dessa história de sofrimento e luta estão, ainda, fortemente estampadas na língua inglesa dos Estados Unidos. Os afro-americanos criaram sua própria variante para preservar a identidade. Se por um lado falar diferente pode ser uma forma de defesa e preservação cultural, pode também trazer dificuldades. Desde os primeiros anos escolares, as crianças afro-americanas são orientadas a ajustarem seu modo de falar ao inglês padrão. Isso não quer dizer que elas precisem abandonar o modo como falam com seus pais e sua comunidade, mas sim que é necessário aprender a adaptar seu modo de se expressar às diferentes situações do dia a dia.
Essa e tantas outras questões sociais relacionadas à língua são estudadas pela Sociolinguística. Nessa disciplina, passamos a observar e entender como as relações sociais se manifestam no modo de falar e, ao mesmo tempo, como a língua pode ser usada como instrumento de poder. Por exemplo: por que será que aqui no Brasil, que também foi escravista, os afro-brasileiros não criaram seu próprio jeito de se comunicar? Ao que parece, aqui as diferenças linguísticas – os sotaques – se devem mais a diferenças de poder aquisitivo e de região geográfica do que de cor da pele. Porém, da mesma forma que as escolas americanas, orientamos nossos alunos a ajustarem a sua forma de falar aos diferentes contextos sociais. Isso porque a participação em um grupo depende de uma língua comum que una os integrantes desse grupo. Assim, estudar a língua nesse aspecto faz com que percebamos que ela exerce um papel fundamental na constituição da identidade social, podendo unir ou separar grupos humanos. De fato, a língua tanto pode ser geradora de preconceito quanto de diálogo, colaboração e respeito mútuo.
Texto publicado no Jornal Gazeta do Sul dia 05 de agosto de 2013.A língua é uma forma de expressão cultural. Ela não só identifica diferentes grupos sociais como tem sua significação constituída através das relações entre eles. No Brasil, por exemplo, percebemos em cada estado diferentes marcas culturais como o sotaque e o vocabulário. Nos Estados Unidos, o que mais me chamou a atenção foi a variedade falada pelos afro-americanos, chamada de African American Vernacular English. Após estudar e ensinar inglês por vários anos, um dos maiores desafios foi entender o inglês falado pelos afro-americanos. No curso de qualificação, conversamos com a professora Adele Proctor, especialista no estudo dessa variedade. Ela explicou que o African American Vernacular English não é uma língua diferente, nem um dialeto. É uma variedade linguística com algumas características próprias do grupo pelo qual é utilizada. Distingue-se do inglês padrão em oito pontos que incluem diferenças de pronúncia, conjugação verbal, formação de plurais e uso do genitivo.
Além das diferenças linguísticas, também conversamos sobre questões socioculturais relacionadas aos afro-americanos. Nos Estados Unidos, a escravidão terminou em 1865. A libertação dos escravos foi alcançada à custa de muito sangue. Foi ela a principal razão da Guerra Civil americana (1861 a 1865). Abraham Lincoln, então presidente dos Estados Unidos, foi o principal responsável por essa conquista. Derrotados, os sete estados do sul que queriam a permanência da escravidão tiveram que ceder. No entanto, os rancores decorrentes do conflito permaneceram por longos anos, traduzindo-se em preconceito acirrado. Quase um século depois, em 1955, Martin Luther King iniciou o movimento pelos direitos dos afro-americanos (African-American Civil Rights Movement) que tinha como principal lema a não violência e a defesa de direitos iguais a todos os americanos. Os negros reivindicavam, por exemplo, poder frequentar as mesmas escolas e os mesmos restaurantes dos brancos, ter o direito de assento em todos os ônibus e poder votar e ser votado. Hoje, muitas coisas mudaram. Os afro-americanos conquistaram igualdade de direitos e assumiram cargos de grande importância social como a presidência dos Estados Unidos.
Contudo, as marcas dessa história de sofrimento e luta estão, ainda, fortemente estampadas na língua inglesa dos Estados Unidos. Os afro-americanos criaram sua própria variante para preservar a identidade. Se por um lado falar diferente pode ser uma forma de defesa e preservação cultural, pode também trazer dificuldades. Desde os primeiros anos escolares, as crianças afro-americanas são orientadas a ajustarem seu modo de falar ao inglês padrão. Isso não quer dizer que elas precisem abandonar o modo como falam com seus pais e sua comunidade, mas sim que é necessário aprender a adaptar seu modo de se expressar às diferentes situações do dia a dia.
Essa e tantas outras questões sociais relacionadas à língua são estudadas pela Sociolinguística. Nessa disciplina, passamos a observar e entender como as relações sociais se manifestam no modo de falar e, ao mesmo tempo, como a língua pode ser usada como instrumento de poder. Por exemplo: por que será que aqui no Brasil, que também foi escravista, os afro-brasileiros não criaram seu próprio jeito de se comunicar? Ao que parece, aqui as diferenças linguísticas – os sotaques – se devem mais a diferenças de poder aquisitivo e de região geográfica do que de cor da pele. Porém, da mesma forma que as escolas americanas, orientamos nossos alunos a ajustarem a sua forma de falar aos diferentes contextos sociais. Isso porque a participação em um grupo depende de uma língua comum que una os integrantes desse grupo. Assim, estudar a língua nesse aspecto faz com que percebamos que ela exerce um papel fundamental na constituição da identidade social, podendo unir ou separar grupos humanos. De fato, a língua tanto pode ser geradora de preconceito quanto de diálogo, colaboração e respeito mútuo.
http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/418454-lingua_uma_expressao_de_cultura_e_poder/edicao:2013-08-05.html